Dobrar a esquina acaba de ganhar um novo sentido... |
É complicada a tarefa de tentar escrever sobre cinema; uma coisa é falar sobre filmes que ninguém ouviu falar nos circuitos mais populares e opinar sobre esse quase desconhecimento; outra é tentar analisar um blockbuster que estreou há menos de 1 semana e onde tenho a certeza qualquer crítico profissional já fez melhor figura que eu ( ora bolas, não é para isso que são pagos? )… por isso vou tentar sintetizar tudo numa frase para quem não tiver paciência para eles o texto todo:
VÃO VER O RAIO DO FILME!
Sim, e digo isso também do estuporzinho do puto imberbe que deve tar a fazer um download rasca só para dizer que tem o filme pirateado, quando provavelmente e sem saber como já gostou mais que o bilhete de cinema.
Tentarei não meter muitos spoilers porque este é um filme de quase 3 horas ( que nem notamos passar ) que requer o máximo de atenção. E esse é eventualmente o maior problema: a sua complexidade. De facto acho que deve ter sido um dos filmes mais difíceis de compreender que eu já vi ( e atire a primeira pedra quem pensa que pescou MEMENTO à primeira ) o que por um lado é bom: obriga-nos a revê-lo novamente e descobrir novos detalhes a cada nova revisão ( não tou falando de filmes do execrável Uwe Boll que nem espetando um resumo no início de cada um dos seus merdosos filmes consegue que estes façam algum sentido ). É que a ideia base é simples, tão simples que ficamos a pensar em como ninguém tinha pensado nisto antes ( se bem que corre o rumor que há uma semelhança mais que evidente com o anime PAPRIKA ); no entanto, na sua simplicidade deparamos com uma extrema complexidade na história…mas isso não nos afasta, muito pelo contrário, leva-nos a prestar mais atenção. Nolan devia ter si o professor porque consegue ensinar e despertar o interesse por algo complicado, mas pronto, já deu para perceber que o homem é um mestre.
Para começar sabemos logo que é um filme de Nolan, o que é optimo! A fotografia é excelente, e ele continua a utilizar os tons azuis para os exteriores frios e dourados para os interiores mais confortáveis. Talvez essa aparente monotonia no tratamento cromático lhe tenha valido tanto admiradores como críticos; de factor as suas anteriores experiências como BATMAN BEGINS e DARK KNIGHT pecam por ser demasiado…insossas. Mas isso dá ao própria filme a gravidade e tratamento sério que não existem em outros thrillers. Depois dos BATMAN(1989) e BATMAN RETURNS góticos mas burlescos do Tim Burton e os pavorosos BATMAN FOREVER e BATMAN & ROBIN de Joel Schumacher, autênticos atentados kitsch, os Batmans realizados por Nolan vieram dar uma seriedade à personagem que funciona ainda mais por tudo ser tão real. E é isos que temos em INCEPTION. Sabemos que o mundo é real. Sabemos que existe tecnologia que permite entrar em sonhos, e os sonhos são a porta para a mente. Sabemos que é utilizada em espionagem industrial para recolher informações secretas. Sabemos que as corporações conhecem-na aos mais altos níveis mas não é algo que se encontre na esquina. Basta ver os seus utilizadores que aparentam ser muito bem pagos por um trabalho que requer mais inteligência que músculo. Nolan não faz a história centrar em torno da tecnologia em si mas sim do grande golpe que é “infectar” a personalidade de alguém com uma ideia “parasita”. Aí reside a “incepção” do título tão mal re-entitulada “A Origem” no nosso mercado. Porque sejamos sinceros…incepção soa a algo demasiado clínico. Resta-nos saber a que se refere a “origem” do título português porque talvez prepositadamente ou não ( e duvido muito que quem escolheu esse título tenha tido direito a um pré-visionamente ) remete-nos para alguns elementos do filme. Será o ponto central de todo o processo do golpe? A capacidade de invadir a mente de alguém em busca de seus segredos com sonhos dentro de sonhos? Ou isso ou alguém enganou-se e conseguiu enganar-nos...
Epá…eu já vi isso no Matrix…
Pois já viste mas felizmente não estamos em território de MATRIX ou pior ainda, das suas péssimas sequelas. MATRIX ( o 1º e só esse ) era um excelente filme de acção com um argumento original e inovador mas era pura ficção científica, realidade induzida por uma conspiração cibernética à escala planetária. O pretensiosismo pseudo-filosófico das suas sequelas veio a criar uma corrente desnecessária de “novos pensadores” da obra que em muito veio a danificar a imagem de um filme que por si só era óptimo. Aqui não temos pessoas “normais” tornadas avatares cheios de estilo capazes das maiores proezas acrobáticas ( e um arsenal pessoal de fazer inveja a qualquer gun-nut republicano)num mundo programado. Olhando para as personagens sabemos que são pessoas normais com um impecável gosto em vestir porque são “criminosos” de luxo ( do estilo vintage de Arthur ( Joseph Gordon-Levitt ) ao descontraído estilo jogador de casino de Eames ( surpreendente Tom Hardy ) que no mundo dos sonhos adquirem habilidades especiais porque é nisso que são bons – a contornar as armadilhas da mente. Talvez por isso se explique que o franzino Arthur seja o “músculo” dentro dos sonhos e Eames o “falsificador” de imagens. Porque o mundo dos sonhos é igual ao nosso e só percebemos isso através de algumas variações na palete cromática, mas é quando as leis da física são quebradas ( alguém disse que é um ETERNAL SUNSHINE OF THE SPOTLESS MIND sem a fantasia e com muitos tiros ) que este mundo mostra-se irreal aos nossos olhos, e sendo os efeitos especiais CGI reduzidos ao máximo ( como é apanágio do realizador ), onde são utilizados são surpreendentes e podem muito bem valer uma nomeação aos Oscars. É um daqueles raros casos em que temos qualidade sobre quantidade, onde menos é mais, onde o tom sério lembra-nos constantemente que isto não é uma brincadeira para enterter. Nolan sempre foi um realizador que gostou de contar uma história através da edição não-linear ( edição essa que é a base de MEMENTO ) e mais uma vez obriga-nos a prestar atenção a todos os detalhes.
Mas a própria complexidade do golpe em si encontra um digno desafio nos problemas pessoais da personagem central, Cobb ( Leonardo DiCaprio ) que podem pôr em perigo todo o golpe: uma projecção residual da sua falecida esposa Mal (Marion Cotillard ), uma espécie de fantasma ou pior, um demónio interior, uma sensação de culpa que o persegue. E mais uma vez aqui está a absoluta genialidade de Nolan, como em menos de 3 horas de filme consegue sintetizar dramas pessoais ( que não eram em nenhum momento revelados existirem nos espectaculares trailers, e que surpresa se torna a inclusão desta sub-narrativa ) com um golpe que se passa no interior da mente, e ao mesmo tempo consegue explicar-nos logicamente o que se está passando com um rigor ( ou melhor…uma seriedade ) científico. Inevitavelmente acabaremos perdidos e só após algumas revisões poderemos detectar incongruências na história mas diabos me levem se isso me vai fazer gostar menos do filme!
Espelho, espelho meu, haverá alguém mais parecido contigo do que eu? |
Quanto às interpretações estão todas muito boas. Leonardo DiCaprio mais uma vez mostra que é o melhor actor da sua geração, embora continue a não ser o mais adequado fisicamente ao papel mas isto é uma opinião muito pessoal. Um anti-herói por excelência, aceita o trabalho para poder voltar a ver os filhos. E em todo o filme impõe uma presença grave, principalmente na narrativa secundária da sua anterior relação com a falecida mulher ( uma muito sexy e elegante Marion Cotillard). É interessante pensar como seria se no papel principal entrasse outro “regular” da filmografia de Nolan como Christian Bale ou o muito desvalorizado Guy Pearce ( lembram-se dele em MEMENTO? ). Também é interessante a parecença física que tem com o realizador, será que Nolan viu em DiCaprio a própria "projecção" do seu alter-ego? Joseph Gordon-Levitt ( Arthur ) é o elemento táctico e é surpreendente a sua parecença física com o falecido Heath Ledger…poderá ser isso um sinal de uma possível participação no próximo Batman de Nolan? Tom Hardy ( Eames ) é o verdadeiro scene-stealer, todo o humor advêm da sua personagem, não o humor fácil mas de alguém que parecer estar mesmo a gostar e a gozar com o trabalho de encarnar outras personagens em sonhos. Ken Watanabe ( Saito ) é o dinheiro da operação, o “turista” que sem o precisar decide voluntariamente, talvez pelo gosto do perigo fazer parte do golpe. O andrógino Cillian Murphy ( Fischer ) volta a compor uma personagem ambígua que é o “alvo” do golpe, a mente a corromper. Ellen Page é Ariadne, a “arquitecta” responsável pelo “cenário” do golpe e embora seja evidente a atracção entre ela e Cobb ( pelo menos da parte dela ) em nenhum momento o filme cai na lamechice fácil, e ainda bem. Aqui não há lugar para heróis nem verdadeiros vilões. E claro está, isto é um filme de Nolan, logo Michael Caine tem que ter um pequeno papel. Apenas lamento Lukas Haas não ter tido mais tempo de écran, depois de o ter visto no excelente BRICK.
E QUAL O VALOR DO FILME COMO FICÇÃO CIENTÍFICA?
Epa...o conceito de década nunca foi muito bem definido. Sabemos que uma década são 10 anos, e há quem diga que a década abrange de 2001 a 2010, outros que dizem que de 2000 a 2009 por isso parece que ficamos meio nas lonas. E que define a ficção científica no cinema? As suas ideias, a sua espectacularidade, a sua história ou a eficácia? Pergunta bicuda, e resposta ainda mais bicuda.
Vejamos...nos anos 60 o filme de FC da década foi o secante 2001 do Stanley Kubrick ( pode ser obra prima mas é uma seeeeeca ); nos 70 acho que podemos dizer que STAR WARS, mais pelo factor entretenimento que pela ficção científica em si ( numa década pessimista, o "Episódio IV" da Guerra das Estrelas foi uma lufada de ar fresco do espaço, mas eu gosto é do ALIEN ); nos 80 tivemos muito por onde escolher mas parece evidente que foi BLADE RUNNER ( se bem que eu adoro o TRON e o ALIENS e o PREDATOR provou ser um grande bacano...) e nos 90 ( TERMINATOR 2 marcou... ) MATRIX diferenciou-se numa década com demasiados meios informáticos mas pouco talento ou originalidade. Assim...fica ao gosto do freguês: o filme de FC desta década é INCEPTION... e o espaço de tempo entre 2000 e o ano passado de 2009 pode ficar com o AVATAR ( espectacular tecnicamente mas só isso ) se bem que é um pouco difícil definir a década passada com a absoluta mediocridade...
E O DVD? Perguntarão para que raio tou a falar do DVD de um filme que estreou há apenas uma semana…é que isto é um filme da Warner! E os filmes da Warner nas suas edições espanholas são exactamente iguais às edições portuguesas ( sim, com legendas em português ) …exceptuando que provavelmente pelo mesmo preço da edição simples de 1 disco vendida cá, a edição espanhola terá 2 discos e um estojo bastante mais interessante de cartão ou metal, com várias capas à escolha ( enfim, paneleirices que ficam bem junto aos melhores filmes ), por isso quem puder dar um pulo ao outro lado da fronteira ou mandar vir através da www.dvdgo.com fará um bom investimento ( entre Outubro e Dezembro, a data mais previsível do lançamento ). Não quero denegrir a edição portuguesa mas se a casa-mãe lança em países diferentes a mesma coisa por um preço muito parecido mas com uma melhor apresentação…logicamente vamos pelo best value for Money :D
VEREDICTO FINAL: nem me vou pôr com mais merdas e só posso dizer…este ano foi a 1ª vez que fui ao cinema porque estava mesmo interessado em ver o filme ( quando o filme não me interessa prefiro alugá-lo nem que tenha que esperar pelo menos 3 meses, não sou de downloads ilegais ). Isto é um filme que devolve-nos o prazer de gastar €6 num bilhete de cinema sem ter que nos impingir com tretas como Real 3D. Este é o filme do ano, sem dúvida, e como tal podemos esperar que seja ESQUECIDO nos Oscars ( excepto categorias técnicas ). Enfim, hora de terminar. Num próximo artigo falarei dessas tais edições muito interessantes da Warner, iguais mas muito diferentes das que por cá se vendem. Até lá…voltem a adquirir a sagrada experiência de ir ao cinema porque este é o melhor filme para isso.
3 comentários:
Possa vou deixar de comprar o publico e começar a ler as críticas aqui! Não posso deixar de acrescentar que Joseph Gordon-Levitt surpreendeu-me, não esperava nada dele...mas pronto, apenas revela que no cinema de qualidade o papel do realizador é severamente mais significativo e vinculativo que no cinema dito "comercial", este filme tem realizador e "arte de realização" (não é apenas um filmes de actores).
Continuação de um bom trabalho!
Abraço
Continue o bom trabalho! Essa Escrita merece uma atençao mais cuidada com os erros, mas dada a hora dos posts... são compreensiveis!
Abraço e boa continuação...
tb fui ao cinema ver o filme e gostei bastante... Haviam detalhes passíveis de serem alterados mas nenhum filme é perfeito e imagino que o guião tenha dado hediondas dores de cabeça ao nolan... abraço
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