Hoje meu post é muito pessoal. Faz hoje exactamente 1 ano que meu pai partiu após anos a debater-se com essa doença cruel chamada Alzheimer. Qualquer homenagem que eu lhe faça será insuficiente para alguma vez dar a conhecer o grande homem e imenso ser humano que ele foi, e dos gostos que ambos partilhavamos em comum, o cinema era um deles. Desde a sua infância em filmes antigos projectados em barracões na antiga colónia portuguesa de Goa, passando por filmes contemporâneos dos anos 60 nas escassas licenças em Bissau, Guiné, aos drive-ins da cosmopolita e elegante Lourenço Marques(Maputo), Moçambique, até aos westerns spagettis e filmes de “pancaria” com os magos Bud Spencer e Terence Hill dos anos 70 no antigo cinema de Tavira e ao aluguer quase diário de cassetes de video nos anos 80, dele herdei o gosto pelo cinema. Não em vão uma das coisas que eu aprendi a fazer antes de ver um filme era ver a ficha técnica e reconhecer os seus actores, com a crença ingénua que isso bastava para saber que estaria vendo um bom filme.
Hoje em dia temos dezenas de canais graças à TV Cabo. Eu não tenho TV Cabo em casa porque o único programa que vejo na televisão é diariamente o Meu Nome é Earl, e não preciso nem quero ver noticiários que se limitam a falar-nos em desgraças que nos põem em dúvida se valerá a pena sair da cama, porque da crise melhor nem falar porque não precisamos de ouvir um mentiroso de cabelo branco a dizer-nos num momento que as coisas estão a correr bem para no dia seguinte sentirmos na pele exactamente o contrário.
Há 30 anos não era bem assim. Ir ao cinema com meu pai era uma experiência quase religiosa, a sensação estranha de ver um écran enorme a cores à frente de meus olhos quando em casa apenas havia uma televisão a preto e branco. E quanto à programação, apenas havia dois canais, a RTP1 e a RTP2…cujo sinal não chegava a Tavira. A programação da RTP2 era um imenso mistério numa altura em que eu aprendi a ler, a tentar compreender que estranhos programas seriam aqueles que apareciam nas páginas dos primeiros números da TV Guia no canto inferior direito da página ímpar, que ocupavam um terço da coluna porque os programas eram poucos e a emissão começava e terminava a determinadas horas. Hoje em dia há programação ininterrupta em todos os canais, sejam repetições, patéticos programas de televendas, há 30 anos e apenas quando nos deixavam ficar até um pouco mais tarde acordados, os miudos da minha geração aprendiam o hino nacional com o fecho da emissão. E o Festival da Canção da Eurovisão era um evento capaz de reunir toda a família qual ceia de Natal, e era altamente antecipado. O pouco que havia podia não ser bom mas satisfazia e muito. E depois algo que não vejo há anos em nenhum canal: uma mira técnica. O sinal emitido pela estação de televisão quando não havia programação, uma imagem fria e cinzenta que durava até altas horas da madrugada, até ser substituida pela filmagem de um relógio analógico minutos antes da abertura de emissão.
E no cinema SUPERMAN, um dos primeiros grandes filmes que me lembro de ter visto no grande écran. E a atroz série de TV d´O HOMEM ARANHA cujo episódio piloto lembro-me de ter visto no cinema como se de uma grande produção se tratasse. Mas na altura isso não interessava. E os já mencionados filmes de Bud Spencer e Terence Hill, gargalhadas bem dadas, o famoso soco de martelo, vilões idiotas virados ao contrário com cada selo, mesmo quando eu ainda não compreendia nada do que se passava no écran. Por ver no cinema ficaria O ABISMO NEGRO para meu grande pesar porque nunca chegou a Tavira. ET…só vi quando deu na televisão.
A chegada das emissões a cores a Portugal nos anos 80 foi como uma mudança da noite para o dia. A programação era má, muito má mas era o que havia…salvavam-se os filmes que eram anunciados. E o aumento de potência das antenas receptoras. De repente em Tavira apanhavam-se DOIS canais de TV. Mais importante, qual upgrade completo, a aquisição de uma televisão a cores quase que obrigava a instalação de uma antena mais potente que apanhasse os dois canais espanhóis, TVE1 e TVE2. Em 6 meses toda a minha gração aprendeu a falar “castelhano” quase correctamente à custa de uma programação variada e completamente dobrada. Até a mira técnica ( chamada carta de ajuste ) parecia um salto quantitativo com um relógio digital incluido. Ah, como a vida era simples nessa altura…Mas na altura ainda não havia video-gravadores em casa. Cada filme tinha uma vida comercial que podia levar anos, e até ser emitido na televisão não seria uma questão de minimamente 6 meses; muito provavelmente levaria 6 ANOS. E até esse dia chegar, a sua exibição em TV seria anunciada se preciso fosse com meses de antecedência, porque o país parava nessa noite para ver um filme popular. Esqueçam a exibição em estreia absoluta das tristes tardes de domingo; desnecessário dizer que a programação de filmes na época natalícia era simplesmente ÉPICA, e a passagem de ano muitas vezes era uma maratona de filmes conhecidos até madrugada porque era a única maneira de se poder vê-los.
Lembro-me perfeitamente que ficar a ver filmes na televisão com meu pai quando o resto da família já dormia. Lembro-me de actores que meu pai considerava “sagrados”, os grandes durões do cinema como Charles Bronson, Clint Eastwood, Lee Marvin, Sean Connery ( como James Bond, claro ),Steve McQueen, Charleston Heston e não perdia nenhum filme que desse com eles. Lembro-me de nunca me ter obrigado a ver um filme ( com excepção da magnífica mini-série JESUS DA NAZARÉ mas pronto, somos uma família de raízes bem católicas ) nem eu ter pedido para ficar acordado para ver algum filme; simplesmente meu bom e velho amigo dizia-me “hoje dá um filme bom com actor tal, já vi há muitos anos”. E despertava-me a curiosidade. Meu pai gostava de filmes de acção pura e dura; conhecia todos os filmes e actores; eventualmente ali estava eu vendo filmes que não eram para a minha idade e isso ainda despertava mais o meu interesse pelo cinema. A não ser que o filme tivesse sido anunciado com cenas eventualmente chocantes como O CAÇADOR, eu podia vê-lo; ironicamente eu próprio não o via voluntariamente se soubesse isso, retirando ao meu pai a proibição de ficar a ver o filme. Ah, como nós nos entediamos perfeitamente um ao outro :D. Mas não era apenas porrada pura e dura que viamos. Embora ele adorasse um filme de guerra, policiais, uma boa “cobóiada”, qualquer dos primeiros 3 filmes do Dirty Harry ( e como tal qualquer filme com Clint Eastwood ), e se lembrasse sempre saudosamente do Steve McQueen ( falecido em 1980 com cancro nos pulmões devido ao tabaco que meu pai pura e simplesmente odiava ), filmes com Jerry Lewis ou Peter Sellers ou o Rat Pack ( Dean Martin, Frank Sinatra, etc ) eram quase “obrigatórios” e cada emissão da série da PANTERA COR DE ROSA eram garantia uma noite de gargalhadas. E Alfred Hitchcock passou a ser um nome familiar. Também graças a ler passei a conhecer e reconhecer actores mais clássicos como James Stewart, John Wayne, Errol Flynn, Gregory Peck, Johnny Weissmuller ( Tarzan ), Chaplin ( claro ), Humprey Bogart, James Cagney ( que ele chamava de "pequenino" ), a lista é demasiado extensa. E claro, também os grandes actores dos anos 60/70 como Al Pacino, Robert de Niro, Dustin Hofmann, Sidney Poitier, Kris Kristopherson, Gene Hackman, Roy Scheider, etc.
Fiquei mesmo a conhecer actores quase sempre atirados para os papéis de “mau” que se tornaram figuras de culto ( alô, Sr. Tarantino, não és só tu que conheces o William Smith(?), ou o Henry Silva(?) antes de nasceres já meu pai os conhecia )).
Assim, em jeito de homenagem, aqui estão alguns dos filmes que tantas vezes vi junto com meu pai numa época em que ver filmes conhecidos na televisão era uma raridade, filmes que ele considerava BONS! Filmes que me fizeram um dia sonhar em ser realizador. Ai, paizão, nem sabes a falta que me fazes para me fazer acreditar em sonhos novamente. Provavelmente no Céu onde estás deve ser um pouco complicado ver filmes tão politicamente incorrectos como estes, mas sabendo que o Céu é a recompensa dos justos consigo imaginar-te confortavelmente sentado na tua poltrona favorita a ver estes filmes que adoravas, junto a alguns desses actores que já não estão entre nós. Hoje é dia de bons filmes no Céu :D
Assim, sem uma ordem especial e correndo o risco de faltarem aqui muitos filmes, aqui estão alguns dos filmes que vi com meu pai, várias vezes. E assim proponho aos meus leitores, especialmente os da minha geração, que preguntem aos vossos pais sobre alguns dos filmes aqui apresentados; melhor, que vejam algum destes filmes com vossos pais como faziamos nos bons velhos anos 80. Em homenagem a todos os pais e filhos que como nós, adoram cinema.
DOZE INDOMÁVEIS PATIFES
OS SETE MAGNÍFICOS
O MECÂNICO
ANJOS DE CARA NEGRA
BILLY JACK
BULLITT
DOIS HOMENS E UM DESTINO
O CAÇADOR
O COMBOIO DOS DUROS
O JUSTICEIRO DA NOITE
CASSANDRA CROSSING
TRINITÁ - COWBOY INSOLENTE
FIM DE SEMANA ALUCINANTE
O POLÍCIA DA ESTRADA
RAMBO - A FÚRIA DO HERÓI
OS CANHÕES DE NAVARONE
NO CALOR DA NOITE
A FÚRIA DA RAZÃO
HARRY - O DETECTIVE EM ACÇÃO
HARRY - O IMPLACÁVEL
BONNIE E CLYDE
ACONTECEU NO OESTE
DUELO NA POEIRA
PLANETA DOS MACACOS
PSYCHO
OS SALTEADORES DA ARCA PERDIDA
À BEIRA DO FIM
TAXI DRIVER
O BOM, O MAU E O FEIO
A GRANDE EVASÃO
O RÉPTIL
NA SOMBRA E NO SILÊNCIO
OS GANSOS SELVAGENS
FIREFOX
Para terminar...um video que me toca bastante. Não sou fã da comédia americana típica, especialmente da comédia americana idiota típica do Adam Sandler, porém CLICK é um filme que não só acho que se vê muito bem ( mesmo com as inevitáveis estupidezes de Sandler) como acho que tem uma das cenas mais tocantes alguma vez filmadas. Eu confesso que chorei da 1ª vez e chorarei sempre.
1 comentário:
Uma bonita homenagem, sem dúvida! Partilho inteiramente da tua opinião quando falas de "experiência quase religiosa",porque era mesmo disso q se tratava nos anos 70, príncipios de 80. Eram momentos q se viviam com grande intensidade, não sei se por sermos miúdos na época, mas tudo aquilo era mágico, incluindo o próprio ritual de ir a certas e imponentes salas de cinema, com direito a intervalo e tudo . Recordo com saudade algus deste filmes. Parabéns pelo trabalho.
José Coelho
Enviar um comentário