quarta-feira, 21 de julho de 2010

Crítica do dia: NAPOLEON DYNAMITE

Epa, Napoleão também era um grande cromo e conquistou metade da Europa!


A todos nós já aconteceu alguma vez na vida termos que falar ou tentar explicar algo, uma espécie de guilty pleasure que nem à pedrada conseguimos convencer nem aos outros e pior, nem a nós próprios o porquê de tanta admiração. Talvez seja essa a verdadeira essência do fenómeno cult...não conseguimos explicar a adoração em algo que nem mesmo nós acreditamos, por isso aí vai uma análise a um verdadeiro e (ine)explicavelmente practicamente desconhecido fenómeno de culto cá por estas bandas: NAPOLEON DYNAMITE, de Jared Hess. E esta é sem duvida das críticas mais complicadas que aqui remeto, por várias razões: 1 - confesso que gosto mesmo muito do filme pelas suas próprias e bem estranhas qualidades; 2 - gosto do filme por razões pessoais; 3 - quanto mais cedo falar do filme melhor, porque em posts posteriores falarei de outros filmes que invariavelmente têm algo em comum com este e convêm que se saiba que "coisa" é esta. Enfim, aí vai a minha crítica, análise, pensamento sobre NAPOLEON DYNAMITE.


Que posso dizer de um filme que sem bem se saber como se tornou um fenómeno de culto do cinema independente aquando do seu lançamento nos EUA em 2004? Sempre segui mais ou menos atentamente o site http://www.imdb.com/ ( a Bíblia de todos os Cinéfilos de Sofá espalhados por este mundo fora ) e fiquei com curiosidade em saber como um filme que apenas custou 400 mil dólares ( uma bagatela ) acaba arrecadando 46 MILHÕES de dólares ( são mais de 115 vezes o que custou ) quando um filme de estúdio de baixo orçamento normalmente custa mais que esse 46 milhões e muitas vezes nunca os recupera.


De facto o filme teve estreia em Portugal, como tantos outros, no mercado doméstico, com o duvidoso título tuga UM NOVO HERÓI, e nada de cheerleaders ou miudas giras em bikini na capa, em vez disso temos o "herói" em questão num horrível fato "vintage" castanho, com o seu horrivel jewfro ( quem não sabe o que é provavelmente usa um e devia pensar seriamente em mudar de corte de cabelo ) e a sua expressão deadpan ( há quem diga cara de parvo ) que se mantem durante todo o filme. Pergunto-me quantas pessoas o terão alugado cá em Portugal, e dessas pessoas quantas não estariam à espera de uma típica comédia de adolescentes americanos, e dessas pessoas quantas não teriam desligado o leitor de DVD ao fim de 10 minutos e pensado que direitos teriam de reinvindicar para reaver ( por questão de princípios ) os 2,50€ mal gastos que teriam sido investidos em algo mais interessante como minis...
O filme começa e aparece-nos o logotipo da MTV Films...isso não é bom sinal! O genérico feito com palavras escritas em pratos da "cozinha tradicional" norte-americana promete algo um pouco melhor, mas o nariz continua a torcer...parecer "artsy" nunca é bom, especialmente numa produção da MTV, e há pratos que sejam carne ou peixe ou vegetais acabam sabendo a podre ou envenenado.
 E de facto ao fim de 10 minutos eu só pensei e direi em muito bom português "QU´ESTA MERDA?". Mas pronto, contam-se pelos dedos os filmes que me irritaram tanto ao ponto de desistir de ver, e muitos mais são os que me fizeram adormecer e como tal perder qualquer ponta de interesse que tivesse nisso. Estranhamente o filme consegue manter um interesse crescente pelo simples facto que não há um eixo central em toda a história, em vez disso temos um autêntico freakshow que é o dia-a-dia da vida de personagens próximas entre si, cada um mais esquisito que o outro. Confesso que me ri mais que em muitas "auto-entituladas" comédias com cómicos famosos merdosos, aqui o humor não é forçado mas pelo próprio ridículo das situações e personagens. Dá que pensar se será este o melhor retrato do estado do Idaho em geral e da pequena cidade de Preston ( berço do realizador e onde decorreram grande parte das filmagens ) em concreto. Por um lado temos uma bonita e montanhosa paisagem rural, paredes-meias com uma daquelas "cidades" americanas que não aparecem no mapa; por outro lado temos uma sociedade rural de pessoas da terra que fazem compras em decadentes armazéns de segunda-mão / loja tipo 150. De facto a população local parece que parou algures entre finais dos anos 80/ princípios dos 90 com as suas cassetes, roupas retro ou fora de moda e ligações online arcaicas. Não aparece um único telemóvel em todo o filme e não fosse o tema Canned Heat dos Jamiroquai como música de fundo presente na acção e muito dificilmente se poderia a história nos nossos dias. Eu diria mesmo que esta é a anti-comédia adolescente, porque todos os personagens são uns completos inadaptados, a começar pelo principal, Napoleon.


Ladies and Gentleman, it´s freakshowtime...
Napoleon: Jon Heder compõe um "herói" de tal maneira imbecil que em nenhum momento é agradável aos nossos olhos. Um personagem geek ou nerd geralmente tem algo que faça com que simpatizemos com ele, mas Napoleon é simplesmente estúpido e desagradável, em nenhum momento é simpático pois não sorri uma única vez, vive num universo de "habilidades(skills)" criadas por si próprio onde se sente importante, e daí advem grande parte da sua comicidade ("as miudas gostam é de gajos com jeito para algo, como sejam ter jeito para a pesca, jeito para caça com flechas e jeito para espionagem informática"). O seu única habilidade é desenhar...ou isso pensa ele porque o resultado final no mínimo consegue fazer soltar gargalhadas. Heder entrega-nos uma interpretação deadpan que se adapta perfeitamente à estupidez de Napoleon, para melhor ou pior: ou Heder é tão bom actor para trabalhar com um personagem que passa metade do tempo com os olhos fechados e fala sempre com a mesma expressão de parvo mas mesmo assim torna-o interessante... ou é tão mau actor que ficará para sempre associado a este papel, e as comédias posteriores a este enorme êxito não ajudaram no sentido de ser publicitado como o "astro de Napoleon Dynamite". Mesmo o mote do filme pode enganar: "O único que ele tem para provar é que não tem nada para provar". Não vendo o filme pensamos muito positivamente "Ele só quer mostrar que se está lixando para o que os outros pensam". À medida que vamos conhecendo a figurinha apenas pensamos "o único que este gajo nos tem para mostrar para mostrar é que não vale nada".


Pedro: o novo aluno mexicano interpretado por Efren Ramirez segue a mesma linha de deadpan, com uma expressão idiota presente em todo o filme. Talvez por isso mesmo ele e Napoleon sejam os melhores amigos. Mas onde Napoleon prima pela completa alienação e certa arrogância, já Pedro parece ser um simpático autista com uma clara ambição política de se tornar presidente da associação de estudantes ou mesmo um reputado agrónomo no futuro, e com uma certa humildade ( ou seria melhor dizer burrice ) nutre uma grande admiração pelo seu melhor amigo.


Tio Rico: John Gries é exactamente o contraponto ao deadpan de Heder e Ramirez e rouba o protagonismo em cada cena que entra. O seu Tio Rico é uma excelente interpretação cheia de uma absoluta canastranice de um homem cuja vida parece ter parado em 1982 e alimenta o sonho perdido de se tornar jogador de futebol americano profissional. Mas onde o Tio Rico parece ser bem mais inteligente que os outros, acaba demonstrando que nem isso o salva da obcessão ( ou burrice ) de querer voltar atrás no tempo... e gastar um dinheirão numa máquina do tempo comprada na net.


Kip: Aaron Ruell é Kip, o irmão (bem) mais velho de Napoleon e é a verdadeira imagem da perfeita inutilidade. Com 32 anos, sem emprego e um bigode ridículo, passa os dias no chat com a sua alma gémea, utilizando uma obsoleta ligação dial-up que deixa a avó irritada com as contas telefónicas.






Deb: Tina Majorino compõe a personagem provavelmente mais "normal" do grupo, não fosse estar bastante apaixonada por Napoleon ( vá-se lá entender porquê mas parece que neste universo ninguém bate bem da telha ). Sem necessariamente ser deslumbrante, é a bonita e tímida girl-next-door com o cabelo apanhado em várias posições diferentes na cabeça e um forte sentido estético preso nos anos 80, evidente na sua maneira de vestir e nas pirosas fotografias que tira em parttime no centro comercial.



O fenómeno cult.
Como já referi no princípio do post o filme foi um surpreendente sleeper-hit nos EUA e parece ter estabelecido a comédia "quirky" independente como um valor quase seguro senão nas bilheteiras pelo menos nas suas comunidades de "seguidores" que decoram frases do filme, expressões que se tornaram populares como "sweet" ou "gosh", ou investem em merchadising como as tshirts "Vote for Pedro". Como filme de culto que se preze, a cidade de Preston tornou-se subitamente um local de peregrinação. À semelhança das Lebowskyfest ou convenções Star Wars e Star Trek, o filme deu lugar a festivais locais onde com maior ou menor êxito os fãs encontram-se para celebrar o filme...quando se pensava ser impossível aumentar a freakalhada do filme, e eis surgem provas de dança, concursos de disfarces e de recriação de cenas. Certo é que Jared Hess tornou a sua cidade natal num mostruário de pessoas bizarras ( afinal grande parte dos figurantes e alguns actores são simplesmente isso, cidadãos da terra ), mas provavelmente ninguém fez tanto para colocar esta pequena cidade de cerca de 4000 habitantes perdida num estado rural no mapa.

A banda-sonora:
Completamente eclética. Temos uma cover do conhecido tema "Music For A Found Harmonium" do colectivo Penguin Cafe Orchestra. Temos o conhecido tema original "Forever Young" dos Alphaville. Temos Canned Heat dos Jamiroquai numa surpreendente cena de dança de Napoleon. E principalmente o tema "The Promise(1988)" da obscura banda When In Rome. Confesso que ouvi esta música há tantos anos que me ficou no ouvido mas não sabia nem o título nem que cantava. Valeu a pena ficar a ver o filme até o final, quando a música começa a tocar. Não o tivesse feito jamais teria (re)descoberto esta música. Ironicamente, o único sucesso desta banda ganhou graças a este filme uma maior popularidade que a que teve no seu dia e relançou a carreira dos seus membros no circuito mais independente.
A minha escolha pessoal para "cena buéda bem filmada":
Por motivos pessoais sem dúvida a cena final, romântica na medida dos possíveis com estes personagens e por me ter dado a (re)descobrir uma música que esteve no limbo da minha memória durante 15 largos anos. Em relação aos grandes planos, as paisagens do Idaho rural constrastam fortemente com a completa "quirkyness" dos seus personagens. Por motivos técnicos aquela que é eventualmente a cena mais famosa do filme, Napoleon dançando ao som de Canned Heat, dos Jamiroquai.


Factor Geek/Nerd: bem alto! Temos referências muito interessantes aos anos 80 na estética visual e sonora e...um poster do DRAGONSLAYER! YES!!! Se o que procuramos é o factor FREAK então este filme parte a escala.

Factor Mainstream: inofensivo. Actores desconhecidos, algum que outro veterano e a maior lista de extras já presentes num genérico final - a inteira população estudantil da Escola Secundária de Preston. Haley Duff, pseudo-celebridade irmã da "cantora" Hillary Duff não incomoda, limitando-se a fazer um papel que lhe assenta como uma luva: a aluna popular e arrogante. O elenco posteriormente virá a trabalhar em projectos mais comerciais, com maior ou menor sucesso. Jared Hess realizará com mais meios a comédia NACHO LIBRE com Jack Black.


Posso recomendar? Dificilmente; posso é ACONSELHAR a qualquer pessoa, recomendar não porque é um gosto que se adquire. Para uma chuvosa noite de cinema em casa com os amigos geeks e umas quantas cervejas é altamente recomendado. Para uma noite romântica? A não ser que a rapariga a conquistar seja uma geek assumida, nem penses sequer nisso! Provavelmente ela nunca mais vai querer ver-te - limita-te à irritante comédia romântica de costume (aka chick movie), basta procurar uma que tenha caras bonitas bonitas, fundo branco e letras vermelhas ( 95% ), pode doer-te no momento, mas penso o que lhe doeria a ela ver NAPOLEON DYNAMITE. Isto não é um filme para sociabilizar a não ser com amigos que estejam na mesma onda. Mas com o INCEPTION quase a estrear, não será mais inteligente convidá-la para ir ao cinema?


O Meu Veredicto: comecei a ver, detestei. Continuei a ver, comecei a gostar. No fim do filme, a cereja no topo foi vindo sabe-se lá de onde, uma canção que levei 15 anos a poder voltar a ouvir. Se gostei ao ponto de investir no DVD? Claro! Com legendas em português e a 5,50€ portes incluídos!. Há quem considere este um dos filmes mais cómicos, há quem considere um dos filmes mais parvos...eu, de minha parte apenas sei que gosto e ri-me bastante! E quem no entanto aguentou o filme até final do genérico final já se pode considerar um fã, e tem como extra o casamento de Kip e Lafundwa. Infelizmente não encontrei o video online...


TRAILER:



NAPOLEON DYNAMITE, EUA 2004
Director: Jared Hess. Argumento: Jared e Jerusha Hess
Com: Jon Heder, Efren Ramirez, Tina Marjorino, Aaron Ruell, Jon Gries

3 comentários:

Anónimo disse...

Vi este filme o ano passado e fartei me de rir!!Até comprei uma tshirt "vote for pedro"!!
Abraco
tripeiro

Ricardo disse...

vote for Pedro :)

Anónimo disse...

Minha experiência com esse filme foi exatamente igual à sua: comecei a ver e foi me dando uma certa náusea, um desconforto... à medida que o filme foi caminhando, começou a ficar espetacular! Acho que hoje já é um dos meus filmes favoritos. =)

Abraços patrícios!

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